HÖRÖYÁ

HÖRÖYÁ

O Afrobeat estava em voga há alguns anos. Todos buscavam inspiração na África, especialmente na música e nas letras de Fela Kuti, o grande músico nigeriano que deu origem ao Afrobeat a partir do Highlife da África Ocidental e do funk afro-americano que conheceu após o contato com os Panteras Negras nos EUA. No Ocidente, a cena musical independente estava em crise, e o Afrobeat parecia oferecer uma boa oportunidade para redimir músicos ocidentais que, diante de um presente vazio e despolitizado, acreditavam que "tornar-se africano" poderia lhes proporcionar um excedente tão necessário na indústria.
O grande baterista e compositor do Africa '70, Tony Allen, começou a excursionar por aí, aparecendo em todos os festivais do Ocidente e colaborando em todos os novos discos. Algumas bandas começaram a incluir músicos da diáspora africana, que eram usados ​​para legitimá-las como um extra colorido e ajudavam a autenticar ritmos e letras.
O Afrobeat estava em toda parte. Veio do Ocidente e recuperou um passado glorioso perdido na "escuridão" da história africana. Em países como o Brasil, mas também nos EUA, o Afrobeat serviu para que as elites (brancas) descobrissem a herança africana sem se sentirem desconfortáveis ​​com isso. É algo muito estranho se considerarmos que o Brasil tem a segunda maior população negra do mundo. De alguma forma, em uma releitura distorcida da dialética hegeliana do Senhor-Escravo abordada por Frantz Fanon, o Ocidente reconheceu sua dependência da tradição musical africana sem reconhecer a independência da África em relação à sua visão de mundo.

Não é correto escolher a herança e a criatividade de culturas oprimidas sem pensar nas repercussões. Isso é apropriação. Mas o Höröya seguiu um caminho diferente. A banda paulistana não imita o Afrobeat ou o Afrojazz. Faz uso consciente deles. No contexto de segregação racial e de classe que molda a vida social brasileira, torna-se uma postura política. Seu líder, André Piruka, sabe muito bem o que significa ser afro-brasileiro hoje.

Suas composições musicais e o uso de instrumentos e ritmos africanos demonstram profundo respeito e compreensão por uma tradição cultural que se diferencia de certos estereótipos que ainda moldam a forma como o Brasil entende sua relação com a África, apesar de a África ter moldado dramaticamente a cultura musical brasileira ao longo dos séculos. A música criada pela diáspora africana no Brasil, e em outros lugares, tem sido o resultado de uma luta coletiva travada nas condições mais desumanas. Sua sobrevivência demonstra a resiliência de milhares de mulheres e homens no momento de seu extermínio. Qualquer uso, execução, reelaboração ou reinterpretação dessa herança musical precisa ter isso em mente. Assim é com Höröya e muitas outras bandas no Brasil que fazem uso do Afrobeat partindo das favelas de sua própria realidade.

É excepcional, e uma de suas maiores conquistas, que Höröya não recorra àquelas formas estereotipadas e fossilizadas de afrobeat que eram comuns há alguns anos. Höröya faz a escolha consciente de retornar à África, de trabalhar com os mestres e de trazer a África de volta ao Brasil. Cria uma mistura que aborda a diáspora atual, a realidade do deslocamento econômico e social dos africanos contemporâneos no Brasil. Com o álbum, GRI GRI BA, que significa em Malinke o grande feitiço, o grande feiticeiro... e assim funciona a música que conspira para trazer de volta ao Brasil sua própria herança e reviver seu próprio passado, os próprios fundamentos de sua cultura. Este é um truque dialético. Porque a própria estranheza da música no hype cultural brasileiro de hoje deixa clara a alienação cultural da sociedade brasileira. Ser africano no Brasil de hoje ainda significa resistência e resiliência, e Höröya foi capaz de criar a trilha sonora dessa realidade.


Editado pelo Dr. Sócrates.

Höröyá significa em Malinke Liberdade, Autonomia, Dignidade